Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.
Manoel de Barros

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Editorial de Católicas pelo Direito de Decidir sobre o Dia Internacional da Juventude.




Um país com futuro?

Do Brasil, sempre se diz que é um país jovem, com uma população jovem. E que, por isso, somos um país do futuro. De fato, pessoas jovens somam cerca de 22% da população brasileira. Mas qual é o futuro que está reservado para cerca de 44 milhões de cidadãs e cidadãos brasileiros? Qual é a situação real e atual da nossa juventude?

Em primeiro lugar, os direitos básicos de jovens não estão sendo garantidos, nem respeitados. Estatísticas governamentais dizem que o acesso à educação é amplo, mas sabemos que isso não é realidade para milhares de jovens que estão nos segmentos mais empobrecidos da população. A educação pública e, em parte a privada, há muito deixa a desejar em termos de qualidade. Estamos formando pessoas preparadas para ter opiniões próprias e expressá-las? Estamos preparando jovens para se posicionar criticamente no mundo? Infelizmente, cremos que não.

Jovens são bombardeados/as pela mídia e induzidos/as a pensar que o "ter" importa mais que o "ser". São estimulados a consumir produtos e comportamentos que nem sempre lhes interessam, mas respondem a interesses de outra ordem, como os do mercado, em nosso sistema capitalista quase selvagem. E cruel. Porque se estimula a juventude a consumir, mas somente uma pequena parcela tem condições de fazê-lo. E de fazê-lo com consciência e escolha.

Muitos/as jovens têm deixado de estudar, ou têm estudado com sacrifício, pois necessitam, antes de mais nada, garantir a sobrevivência num mercado de trabalho competitivo e feroz, que reserva as melhores oportunidades para quem já têm... as melhores oportunidades. Sistema cruel, que sacrifica, em cada crise, primeiro jovens e mulheres. Será coincidência? Claro que não!

Segundo dados do IBGE relativos a março de 2009, por exemplo, a população mais jovem foi o segmento que mais sofreu com o desemprego gerado pela última crise mundial, especialmente os/as que têm menor tempo de estudo, porque o que se pede, sobretudo em momentos de crise, é experiência e qualificação. E essa lógica é perversa, justamente porque a experiência só se adquire trabalhando...

A desigualdade entre os gêneros também tem um peso forte, marcando as jovens de forma ainda mais perversa: elas têm em média mais tempo de estudos do que eles, mas têm menor possibilidade de obter trabalho. Quando conseguem emprego, normalmente seus salários serão inferiores aos de seus colegas homens. Enquanto isso, os homens jovens morrem precocemente de morte violenta, por acidente automobilístico e, principalmente, à bala. Ou seja, nessa nossa sociedade machista, ninguém ganha, todo mundo perde de alguma maneira com a desigualdade de gênero. E as marcas dessa desigualdade são sensíveis, trazendo graves conseqüências para moças e rapazes, que começam sua vida adulta já em desvantagem.

Em termos de saúde, a juventude brasileira também padece de forma peculiar. Isso porque, ainda pela forte desigualdade entre homens e mulheres existente no país, a saúde sexual e reprodutiva não é um direito garantido para essa população, o que traz graves conseqüências para ambos os sexos. As mulheres jovens vêm, cada vez mais, padecendo com doenças sexualmente transmissíveis, especialmente a aids, e com gravidez não planejada e, na maioria das vezes, não desejada. Também são as mulheres jovens - sobretudo as pobres e negras - que morrem por abortamento clandestino e inseguro. Os homens jovens, por sua vez, desaparecem dos serviços de saúde ao saírem da adolescência e voltam a recorrer a eles apenas na terceira idade, normalmente com doenças graves, em estado avançado ou crônicas, como câncer de próstata, entre outras.

Isso sem falarmos em atitudes meramente punitivas ou que restringem a liberdade de jovens, mas não enfrentam verdadeiramente as causas de seus problemas, como as várias imposições de toque de recolher que têm assolado o país, impedindo jovens de sair às ruas após as dez horas da noite, ou ainda os movimentos pela diminuição da maioridade penal que, além de tudo, acabam responsabilizando jovens pela violência de que são vítimas.

Diante de tantas dificuldades, muitos/as jovens encontram apoio e esperança na religião. E aí encontram dificuldades de ordens diferentes, mas ainda acentuadamente marcadas pela desigualdade de gênero. Porque a juventude cristã, especialmente a católica, têm tido muita dificuldade em conciliar a sua fé e as prescrições religiosas com a vida moderna. Ao invés de serem vistos/as como pessoas sérias que podem fazer escolhas coerentes com liberdade e responsabilidade, enfrentam uma série de proibições difíceis de acatar. Mas que colocam em risco a vida e a dignidade delas e deles.

Dessa forma, a proibição católica do uso de camisinha e de outros preservativos, além do impedimento de fazer sexo antes do casamento, têm aumentado o risco para homens e mulheres jovens. A reificação da desigualdade de gênero - vale lembrar que na Igreja católica, mulheres não podem celebrar a eucaristia, não podem assumir cargos de poder e ainda são vistas apenas como seres capazes de procriar e servir à família - e o ônus maior que esse idéario impõe às mulheres só amplia as dificuldades vivenciadas pelas jovens.

Isso sem mencionar a homofobia da hierarquia católica, que reiteradamente vem se manifestando de forma agressiva contra a diversidade sexual, o que repercute fortemente na mídia e tem o poder de legitimar a intolerância e a violência contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis (LGBTT).

Jovens católicas/os, além de tudo, sofrem pela falta de espaços de discussão sobre sexualidade e pela tentativa de controlarem seus comportamentos, ao invés de tratá-los/as como pessoas que podem e devem fazer escolhas - informadas, refletidas, coerentes com os seus projetos de vida - e de tomar decisões importantes sobre diversas esferas de suas vidas.

Assim, constatamos que a hierarquia católica, ao invés de contribuir para que todos/as tenham vida - e para que seja uma vida plena e digna -, vem aprofundando os problemas que pessoas jovens encontram, deixando-as - no limite entre o dever e a hipocrisia - num abismo cada vez maior entre o que sentem e o que podem expressar.

Apesar disso, jovens se rebelam. Jovens reagem. Jovens enfrentam com coragem as adversidades e crêem que um mundo melhor é possível, um mundo que seja enfim justo e igualitário. Apesar de tudo, jovens se engajam, com garra, em movimentos sociais importantes e necessários, como os movimentos contra a pobreza, o racismo, o machismo e a destruição irresponsável e voraz da natureza. Apesar de tudo, jovens têm e nos dão esperança.

Católicas pelo Direito de Decidir vem a público, então, no Dia Internacional da Juventude, para expressar a sua solidariedade para com a juventude brasileira e, juntando-se a ela, exigir maior compromisso das autoridades - incluindo as eclesiais - para com as pessoas jovens. E é imprescindível que isso se dê sem tergiversações, sem desinformação, sem proibições absurdas. Vamos, de verdade, cuidar de nossos jovens? Vamos finalmente ser um país com futuro?

Católicas pelo Direito de Decidir


Leia também:

* CARTA CIRCULAR DE DOM PEDRO CASALDÁLIGA - na qual ele se posiciona claramente contra os fundamentalismos, a favor do diálogo inter-religioso e a plena igualdade da mulher na vida e nos ministérios da Igreja.

* Leia e baixe dossiê produzido por Católicas da Nicarágua sobre violência sexual (em espanhol)

* Deixem Jesus em paz - leia artigo de Juca Kfouri sobre o proselitismo religioso no futebol


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Foto: Reunião de estudantes no Centro Acadêmico do Curso de Gestão de Políticas Públicas/USP - Universidade de São Paulo, 2009.

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